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domingo, 28 de setembro de 2014

Carta para Alice



Olá Alice,

Eu primeiro lugar eu gostaria de dizer que eu sinto muito. Sinto justamente porque eu sabia exatamente o que ia acontecer desde o começo. Não foi aleatório eu aparecer no seu jardim vestido a caráter e com muita pressa. Eu sempre soube que você gostava de relógios.



Eu te conheci há muito tempo, sua vida inteira, desde antes de você nascer. Era para ter sido você desde o começo, minha cara. Na verdade, quando vi você quase se afogar num lago feito de suas lágrimas quando você era gigante, eu tive um pouco de pena, porque eu já sabia o que estava por vir. Mas também acreditava que você era forte, que ia superar isso tudo. Entenda uma coisa, minha cara, eu sou um coelho, mas isso não quer dizer absolutamente nada. Porque pra você é anti natural essas coisas de ficar grande, ficar pequena, uma lagarta fumando um narguilé em cima de um cogumelo gigante, um gato que desaparece, uma rainha de copas decapitadora assassina... É porque eu sempre estive com pressa, sabe, correndo contra o tempo. Porque a vida é agora - Ah, aproveitando o ensejo, feliz desaniversário - e a gente não sabe muito bem quando vai fazer a rainha perder a cabeça. De qualquer jeito, gostaria de dizer mais uma vez que sinto muito. Mas espero que você tenha se divertido. É que quando a gente é criança a tendência é achar tudo que é estranho muito natural. 

Não me leve a mal, Alice. Essas reminiscências são apenas marcas de um coelho cansado de correr por aí. Você devia ter ouvido o Gato. Todos aqui nessa terra são meio malucos. Mas eu acho que talvez o problema seja que o povo aí em cima seja meio careta. Deve ser algo que eu tomei no chá do Chapeleiro Louco que não me fez bem. Às vezes eu acho que o certo é ele, que é importante ser sempre hora do chá, que é sempre hora de estar com os amigos fazendo aquilo que se acredita ser o certo. Não sei, Alice. Esses dias eu tive dúvidas. tão grandes quanto certezas absolutas. É que depois que você foi embora no meio do julgamento do Valete, as coisas ficaram meio complicadas aqui no país das Maravilhas. A rainha de ouros e o rei de paus se juntaram numa aliança com o cisne negro e invadiram a nossa terra. Queimaram a floresta, matando a lagarta, coitada, que ficou pensando apenas que tinha exagerado no fumo. Mas a fumaça do cogumelo levou a efeitos deletérios em todos os habitantes. O chapeleiro louco, coitado, agora acha que toda hora é hora do brunch. Já a rainha emigrou com o Valete para terra dos espelhos e disse que tem estado meio reflexiva desde então. Ainda jogo croque (críquete) mas não é exatamente a mesma coisa porque nada se move mesmo na velocidade que devia se mover. Tudo anda muito devagar agora, menos o meu relógio que fica num tique-taque incessante numa frequência absurda. Ao mesmo tempo que tudo fica meio embaciado nas manhãs pouco antes de eu entrar na minha toca para o seu mundo. As manhãs são as piores partes porque o relógio de corda do senhor Cuco não funciona muito bem e às vezes o sol percorre o firmamento como uma bola de fogo, e se bate na lua numa explosão cósmica sem mortos e feridos. É a coisa mais linda.

É isso, Alice. Todos aqui mandam lembranças. Se quiser voltar, a duquesa disse que a casa é sempre sua. O Leitão disse que tem saudades.